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sexta-feira, janeiro 19, 2007

IVG – Uma questão de princípios
Dentro em breve, no dia 11 de Fevereiro de 2007, volta-se a realizar um importante referendo nacional. Estará em questão a concordância dos portugueses em relação à interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Com uma terminologia aparentemente simples, a questão envolve um conflito particularmente intenso de princípios que acaba por torná-la materialmente complexa. Sob pena de estar a ser demasiado redutor, o principal óbice desta questão reside no confronto entre um direito à vida de uma pessoa em formação e uma liberdade de escolha da progenitora em relação à interrupção do desenvolvimento dessa pessoa, no cumprimento de determinadas condições.
Colocada a questão nos termos supra mencionados, pareceria simples atribuir razão ao não. O direito à vida é reconhecidamente o mais forte de qualquer ordem jurídica de um Estado de Direito. Tal concepção é, para a minha pessoa, indubitável, tal como o é para qualquer cultor do Direito. A verdade é que, porém, a questão não pode ser colocada nestes termos. Muitos são os casos em que se justifica a ponderação dos valores em questão. Por exemplo, por vezes, ao se salvar a vida física de um nascituro, poderá estar-se a sentenciar duas (ou mais) vidas ao infortúnio. Caso especialmente aberrante é o da típica menor que, sem culpa, ou seja, tomando as precauções necessárias, acaba por ver-se na situação de uma gravidez indesejada. Parece-me óbvio que, num caso destes, ao salvar-se a vida do nascituro, em casos particulares, pode-se estar a estragar a vida da menor (mãe), do pai e a sentenciar-se o desequilíbrio da própria criança. Admito, porém, contestação válida a esta opinião.
A complexidade desta questão nasce, assim, de uma enorme diversidade de argumentos de ambas as opções (sim ou não). Quando se diz que o nascituro tem direito à vida está-se a afirmar algo válido. A verdade é que a vida física, per se, sem o necessário equilíbrio psicológico acaba por evidenciar uma não-vida. Esta opinião é discutível, como é óbvio, já que os milagres da auto-suficiência e do instinto de sobrevivência permitem a muitas pessoas inverter uma vida aparentemente infortuna para uma equilibrada.
Põe-se, então, a questão da liberdade de escolha da mulher. É precisamente neste ponto que encontro maior necessidade de justificar a minha opção. A questão referendária, no sentido em que está apresentada, não merece o meu total acordo em relação a este ponto. No entanto, como infra justifico, parece-me que, pela importância prática que o regime traduz, a questão merece a minha concordância.
Em primeiro lugar, o porquê do meu parcial desacordo. A ilimitada liberalização dentro das referidas dez semanas coloca o problema da opção pelo aborto injustificado ou absurdamente justificado. Por exemplo, não me parece razão suficiente a escassez económica ou a simples falta de desejo.
No entanto, é fundamental ver-se o reverso da moeda da vitória do não e da manutenção do actual regime. Parece-me preferível a permissão legal da interrupção voluntária da gravidez à manutenção da situação actual de aborto clandestino. Mais, a simples globalização e nomeadamente a liberdade de circulação, princípio essencial da comunidade europeia, permite que quem tenha maiores posses financeiras opte por efectuar a interrupção da gravidez num outro país, como a nossa vizinha Espanha. O facto é que, hoje em dia, qualquer pessoa com equilibradas condições financeiras acaba por conseguir abortar, independentemente do regime português.
Não me é difícil, portanto, clarificar a minha opinião. Sou evidentemente contra o aborto, como atentado ao direito à vida. Mas sou a favor da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras dez semanas, ou seja, voto SIM neste referendo, porque parece-me claro que é a opção praticamente mais justa, nos termos de permitir, por um lado, um mais eficiente cumprimento do princípio da igualdade, e, por outro, um efectivo escape de situações de especial agravo tanto para a vida dos pais como para a do nascituro, nas condições supra explicitadas.
Resta-me, porém, referir que esta minha exposição não se destina a influenciar opções de voto, mas, tão só, a evidenciar alguns pontos essenciais da matéria em discussão. Importante é, de facto, que todos os portugueses participem neste referendo, já que, perante tão complexa matéria, a opinião de toda a população parece-me particularmente soberana. Não há dúvida que está em causa a decisão relativa a uma liberdade individual, mas é, porém, uma liberdade especial, que tem claras consequências em relação a outros institutos.

1 Comentários:

Blogger Ricardo JM disse...

Os termos em que o referendo se orienta são mais ou menos os que relembraste. Já era para ter escrito sobre a IGV, não o fiz, comento agora a tua opinião e certamente em breve que deixo a minha expressa no blog. Em primeiro lugar, é de facto uma questão simples que tem como pano de fundo uma complexa. Um erro comum é confrontar o direito à vida, mais propriamente, o direito a nascer vs. liberdade pessoal de abortar. Como dizes existe de facto um conflito intenso de princípios, mas um conflito que está muito alem da liberdade de abortar! Do lado da mulher está de igual forma o direito à vida (comprometido em intervenções negligentes que conduzem, estimativamente, em 19% dos casos à morte da mulher) direito à integridade física, direito à saúde e direito a constituir família (qd assim o for desejado), para mim são estes os vértices que justificam maior acuidade na opção da mulher face à do homem (que não corre riscos físicos durante operações melindrosas e incertas!). por outro lado, existem vários argumentos jurídicos que injustificam o preceito normativo que condena as mulheres ate 3 anos de prisão, sendo na minha opinião o principal, como tu também afloras no teu texto, o direito comparado europeu associado à liberdade de circulação de pessoas que vigora na união(penalizando quem não tem possibilidade de se deslocar a clínicas privadas no estrangeiro para interromper a gravidez). concordo também contigo na medida em que não daria o meu voto a uma liberalização do aborto. De facto, o período de 10 ou até 12 semanas (período mais comum no espaço europeu) parece-me justo e razoável para justificar que não é uma verdadeira liberalização. Ainda que outros discordem, parece-me extremamente duvidoso que alguém aborte de livre vontade por razões disparatadas como "ter planos para viagem e a gravidez ser um inconveniente ou para decidir o sexo do bebé". É que o aborto só pode ser resultado de uma decisão difícil mas ponderada e quando a educação sexual, o planeamento familiar ou a disponibilidade de pais para filhos para falarem abertamente sobre estes temas não surtirem efeito. para mim, são de tomar estas medidas em primeiro lugar face ao aborto, que só pode ser uma ultima e inadiável decisão da mulher.

04:02  

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