1649-014

Aqui suplantam-se os intelectuais...

quarta-feira, outubro 17, 2007

Olhando o horizonte de uma muralha enegrecida pelo tempo, as memórias flutuam ao sabor de um vento fresco que sussurra palavras de sofrimento, como se de um choro se tratasse! Memórias de um passado sofrido, de um amor que morreu, de uma voz que calou! Assim, sob o olhar de uma lua conhecedora dos amores de quem a observa, as memorias vão se esvaindo, batendo no fundo de um mar, para permanecerem esquecidas, até à tona retornarem, para fazerem sofrer um coração partido e esmorecido pelo imperdoável tempo.

Cátia Salgado

domingo, outubro 14, 2007

Telefone


Um ruído lancinante acorda-me de pronto. Ainda meio atordoado,envolto pelo sonho que me fazia sorrir de um prazer esperançoso, faço a minha cabeça pontificar no topo dos lençóis, surgindo com um olhar que seria de tudo menos de satisfação. Ainda lembrando a esbelta companhia que tinha no imaginário, apercebo-me que era o telefone que repetidamente tocava. Ainda aguardei, desejando que ele se calasse definitivamente. Viajava eu entretanto… Sim! Catarina era o seu nome, de lindos cabelos pretos, como me posso esquecer…, mas o trrin trrin não deixava de me infernizar.Com um gesto espásmico, levanto-me e corro furiosamente até ao telefone. Quando pego no auscultador, ninguém responde do outro lado, já haviam desligado..Irado, bato violentamente o telefone perturbador e lanço-me sobre o sofá, procurando reter todos os pormenores do meu sonho.. Ai que olhar tão intenso, parecia tão real!!Dizia eu de mim para mim, enquanto, procurava eternizar aquela imagem, com um retrato num pequeno bloco. Enquanto ia traçando os primeiros contornos, dava graças ao senhor, (que não é meu) por me ter dado esta destreza para o desenho. Quando finalmente a minha mente já não possuia mais nenhuma perspectiva que não tivesse reduzido a 2 dimensões, deixo-me cair de novo nesse sono que se adivinhava como mágico…

No momento seguinte, uma luz branca e intermitente feria-me o olhar mas atraí-me a mente, indicando-me o caminho a seguir. O edifício era cavernoso, e as paredes pintadas de um vermelho sanguinário, em que o silêncio era sepulcral, mas o que eu via verdadeiramente era aquele foco de luz branca mais perto, a cada passo dado, que piscava sem cessar...

Volto a despertar, olho o relógio com os olhos entreabertos, e apercebo-me o quanto estou atrasado… Saio disparado de casa, avanço agressivamente com o meu carro ao encontro do meu destino, mas continuava emerso nos traços da morena que interrompeu a vulgaridade dos meus sonhos… Não se tratava de uma atracção carnal, imbuída por um universo virtual de pensamentos soltos e ambições… Era algo mais, como se uma estranha ligação existisse entre nós, gerando uma perturbação crescente… Avassalado por tudo isto, acelerarei indefinidamente, sem consciência de tudo o que me rodeava, e foi então que por um segundo com o barulho do estilhaçar dos vidros e da carroçaria a contorcer-se, despertei!Para logo voltar ao meu sonho…

Parecia que pausara o filme naquela caverna, lá estava eu novamente, com o olhar ofuscado pelo branco que me atraia no horizonte…avancei por entre uma sucessão de portas envidraçadas, num corredor rectilíneo, deixando transparecer a quase infinitude de portas por abrir, no instante em que a luz se apagava,para logo se reacender. Mas não era isso que fazia esmorecer a ambição de ir mais além…

Porta após porta, após cada rugido de dobradiça anunciando a minha chegada a uma nova divisão, encontrava o mesmo que na anterior, nada de meu…

Com o corpo desfeito, retomo a consciência deste mundo, numa cama de hospital. O emaranhado de fios e tubos que me rodeavam, faziam adivinhar uma certa gravidade do acidente, mas o que me destruira fora a ingenuidade do meu credo em algo tão subjectivo como um sonho,por muito real que aparentasse ser. Afastei da minha mente tais pensamentos e procurei seguir vivendo como dantes.

Os dias foram passando e cada vez que o meu olhar encontrava aquele caderno graná onde pintara o meu mais belo sonho, todas aquelas sensações regressavam torrencialmente. Não resistindo ao impulso, preenchia as noites, olhando Catarina…

Certa manhã, esvaziado de emoções, que só reforçavam o meu cansaço, acordei a custo, com o turbilhão que o ruído do telefone fazia na minha mente, ecoando a diletancia da minha existência. Com o braço pesado, alcanço o telefone, e aguardo por uma resposta, sem nada dizer… Só me recordo de um respirar profundo, antes de me ver novamente naquele cenário de nadas, que se sucediam porta após porta. Mas algo mudara! A luz que surgia ao longe a piscar sem cessar, passara a ser do mesmo vermelho berrante das paredes. E como era mais atractivo encontrar a sua fonte, neste mundo de momentos perdidos… Segui o silvar, que acompanhava ritmadamente o arfar da minha respiração, enquanto as portas se abriam à minha passagem, com um simples pensamento, até que enfim, quase cego pela intensidade da luz, estou diante daquele globo que intermitentemente preenchia o meu desespero. Apenas mais um passo e seria mais um..que desistira…

Enfim ouço-te Catarina...

quarta-feira, outubro 03, 2007

Chamar a isto liberdade? Viver em jaulas de cimento onde afinal sobrevivemos e com rotinas programadas! Ter uma pausa para um mísero cigarro e um café! Trabalhar 40h por semana durante 40 anos e ser despejado num lar de idosos para sofrer a humilhação de não chegar a tempo à casa de banho! Ser constantemente ultrapassado pela direita na vida! Isto não é liberdade, isto é a loucura desta selva profissional, onde ganhamos e perdemos a vida sem nos apercebermos disso!